Por que as pessoas que diziam ter cultura
Não percebiam a doçura
Da toada tão singela
E que o caipira vivendo na natureza
Percebe mais sua beleza
Do que lendo sobre ela
Da toada tão singela
E que o caipira vivendo na natureza
Percebe mais sua beleza
Do que lendo sobre ela
Por Souza Junior - Jornalista
Os versos acima são de uma música
sertaneja (de verdade) conhecida por pouca gente no Sul do país e, certamente,
por menos pessoas ainda aqui pelas bandas do Amapá. Mesmo assim, não vejo
introdução melhor para definir o que é viver na cidade de Oiapoque, extremo
Norte do Brasil, ou como dizem: “A mais setentrional das cidades brasileiras”.
E – como asseveram os versos
acima – ler a respeito do município não é o suficiente para saber sobre ele. É
necessário mais, muito mais. É preciso vivê-lo, não apenas morar e ter uma
rotina. Faz-se mister “se enturmar”, conhecer as pessoas, vivenciar seus
hábitos e entender por que e como os oiapoquenses levam a vida que têm. Vivendo
há quase um ano por aqui, estou longe de ser um expert sobre as nuances locais, mas já percebi muita coisa. Ou como
dizia o personagem de Guimarães Rosa: “Eu quase nada sei, mas desconfio de
muita coisa”.
É possível comparar (forçando um
pouco a barra) Oiapoque e Austrália. Este país, devido ao isolamento do resto
do planeta, possui flora e fauna únicas, adaptadas à solidão geográfica. Com o
município no extremo no Amapá, há as peculiaridades (não entre seus animais e
plantas, que existem em outros locais), mas com relação à postura de sua gente.
Tal como a Austrália, Oiapoque – em seu isolamento – desenvolveu vivências
próprias.
Isolamento
Para se chegar aqui, o caminho
mais usual são os longínquos 590 km que nos separa da capital do Estado,
Macapá. Em outros locais, tal distância é tirada de letra. Todavia, o trecho
mencionado possui pouco mais de 100 km em estrada de terra. O município mais
próximo, Calçoene, está justamente no outro extremo da rodovia ainda não
pavimentada. Em boa parte do ano, período de chuvas torrenciais constantes, é
uma aventura vencer os atoleiros. Isso vai desanimando as pessoas de fora a
virem para cá e, ao mesmo tempo, reforçando os laços de quem está aqui com o
local onde vive.
Nesse ponto, cabe uma crítica aos
nossos governantes, seja em âmbito local, estadual ou federal. A parte sem
pavimento, que abriga os atoleiros, fica na BR 156, uma das obras mais antigas
do país. Uma grande vergonha que atrasa o desenvolvimento local. A culpa é de
todos!
Com a dificuldade de acesso, o
custo dos alimentos que chegam aqui, bem como de outros itens básicos do dia a
dia, é bastante elevado. Conheço muitas cidades brasileiras, capitais,
inclusive, e Oiapoque consegue ser mais cara do que várias. A renda da
população local – em geral – não permite o consumo permanente de coisas que
seriam bem mais acessíveis se houvesse forma mais eficaz de se chegar.
Lugar de passagem
Para muita gente, Oiapoque é a
última parada antes de uma aventura arriscada: quer seja emigração ilegal para
a Guiana Francesa; quer para trabalhar nos garimpos também ilegais no país
vizinho. Por ser uma cidade pequena, as pessoas – basicamente – se conhecem. É
fácil perceber um forasteiro que, sem opções em sua terra natal, vai se
aventurar em uma empreitada cujos riscos não são calculados. Empreitada esta
que este escriba não recomenda, muito ao contrário.
Fronteira franco-brasileira
Outro detalhe ignorado por muitos
brasileiros é que – neste ponto do Brasil – estamos na fronteira com a França.
Isso mesmo: a Guiana Francesa está para Paris assim como a ilha de Fernando de
Noronha está para Brasília. Basta atravessar o Rio Oiapoque para se chegar à
França. A proximidade entre os países faz com que Oiapoque e Saint Georges – no
outro lado – compartilhem muitas coisas e criem um viver bem parecido. É muito
comum ver cardápios bilíngues e outras influências do idioma francês no
município amapaense. As bandeiras de ambos os países convivem lado a lado em diversos
pontos.
E a influência estrangeira vai
além: nomes franceses como Laurent, Rolland e outros são muitos comuns entre
brasileiros locais. Claro que devidamente “aportuguesados”. Há ainda uma troca
constante de peculiaridades culturais. Existem muitas ações binacionais, o que
aproxima os países. Por fim, é impressionante o número de franceses que veem da
gélida Europa passar suas férias no calor escaldante de Oiapoque.
Pertencer
Dito tudo isso, é preciso
destacar a relação das pessoas que vivem aqui com suas raízes. Frente a todos
os problemas, os oiapoquenses desenvolvem laços únicos e inquebráveis com sua
cidade. Quem se arrisca a sair – em muitos casos – volta para cá arrependido.
Há os casos de pessoas que precisam estudar ou trabalhar fora, mas que
regressam na primeira oportunidade. Uma primeira visão de pessoas de outros
estados é se questionar: por que este povo daqui é tão feliz? Não sei a
resposta, mas compartilho desse pensamento.
Não podemos esquecer, nem
esconder, que Oiapoque sofre muito com o descaso dos nossos governos. Há muita
pobreza, falta infraestrutura, há desemprego e uma série de outras ausências do
Estado (aqui a palavra é em sentido amplo). Mesmo assim, Oiapoque tem festa
quase todo dia, os chamados “piseiros”. As pessoas levam a vida sem carregar o
fardo dos problemas. Vivendo um ano aqui, não tenho a resposta para isso.

Texto e foto: Souza Junior - Jornalista
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