sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O poço


Por Dom Pedro José Conti - Bispo  Diocesano
Era uma vez um poço que durante muitos anos foi utilizado para matar a sede dos habitantes de uma vila. Todos tinham grande respeito por ele e o reverenciavam pela sua importância e generosidade. Bastava atirar um balde dentro da enorme boca do poço que, imediatamente, voltava cheio de água pura e cristalina. Assim, a vila foi se formando ao redor daquele poço. Porém, com a evolução da sociedade, o poço tornou-se obsoleto. As pessoas não mais precisavam de sua água para matar a sede, ela chegava até suas casas por meio de canos e torneiras. Por não servir para mais nada, a boca enorme tornou-se uma grande lixeira. Todas as coisas que ninguém mais queria eram jogadas dentro do poço. Certa vez, faltou água na vila e eles se recordaram do poço, mas quando jogaram o balde nada encontraram, a não ser lixo. Resolveram limpá-lo. Foi retirado todo o entulho, mas não tinha água no fundo do poço, estava seco. O desespero tomou conta, e agora? Alguém resolveu entrar no coração do poço e fazer uma limpeza mais profunda. De repente, a água surgiu como num milagre! Na verdade, ela estava ali o tempo todo, mas tinha sido encoberta pela sujeira acumulada. E quanto mais se cavava, mais água se avolumava dentro do poço. Ele voltou a oferecer a mais pura água que todos precisavam.

O evangelho deste domingo é a conclusão do capítulo 6 de João. Essas páginas nos acompanharam por algumas semanas. Agora querem nos conduzir a uma decisão. Isso porque ter fé não significa somente pedir a proteção de Deus porque achamos que, se ele é bom de verdade, tem a obrigação de atender os nossos pedidos. Nós também precisamos estar envolvidos e arriscar sobre a mesma fé que declaramos ter. É nesta altura que se vê quem está disposto a seguir em frente no caminho do Senhor, ou deixá-lo com qualquer desculpa. Inclusive aquela de ser muito “duro”, exigente. Uma fé que não nos custasse nada, nenhuma mudança, nenhum incômodo, podemos ter certeza, não seria fé coisa nenhuma. Pode ser um conjunto de crenças bonitas que sempre, e somente, confirmam o que nós pensamos e queremos. Uma “fé” assim só serve para jogar a responsabilidades das coisas erradas que acontecem sobre Deus – como se o mal fosse vontade dele - ou, em todo caso, nas costas dos outros, do mundo, da sociedade, do destino. Quando chegamos a este ponto, devemos reconhecer que, de fato, nós, antes de abandonarmos, digamos, Jesus e a Igreja, com o corpo, de fato, já o deixamos com o coração. Na verdade não estávamos buscando a Deus dispostos a nos comprometer com Ele. Estávamos querendo privilégios, favores, um Deus que continuasse a multiplicar pães, peixes, dinheiro, sem nenhum compromisso de nossa parte.

A fé verdadeira é exatamente o contrário. Acolhendo Jesus, pão da vida, alimentamos a nossa limitada existência humana com a presença dele, a sua total disponibilidade a se dar em “alimento”, isto é, na entrega maior possível de si mesmo. Com efeito, o “alimento” que nós tomamos se transforma em nós em força e energia, permite-nos sobreviver, mas também trabalhar, pensar, cantar, dançar e ajudar os outros. Por isso Jesus quis ficar conosco também como “pão e vinho”, para que a sua “presença” não ficasse só uma ideia bonita ou uma lembrança do passado. Ele quis ficar com a sua pessoa, a sua vida, o seu exemplo, a sua Palavra viva! Cada vez que nos reunimos para celebrar a nossa fé, Ele continua a se doar inteiramente. Nós também podemos declarar com Pedro: - A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna – e fazer a nossa profissão de fé comprometedora: - Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o santo de Deus -. A “água viva” de Jesus não secou e nunca vai secar, o seu amor não esgotou. Somos nós que enchemos de entulho a nossa vida. Tem muito lixo para ser jogado fora, já ensinava o apóstolo Paulo (cf. Fl 3,8). Precisa também cavar mais e sempre pedir a coragem para não desistir.


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